sábado, 30 de agosto de 2008

"Ele não é meu Filho" de Philippe Gaulier


Três bufões, no corpo de três mulheres e uma paródia sobre o Pai, o filho e o Espírito Santo. Três mulheres em trajes decadentes, típico dos bufões, estabelecem como que em uma brincadeira o contar a história. E quando a brincadeira começa, tudo se modifica e aquela incerteza de ter novamente errado ao entrar em um espetáculo qualquer, se torna na certeza de querer ficar. Nada deixa a desejar, desde o cenário minimalista até o trabalho das atrizes que primorosamente gritam os excluído. Eu me lembro de uma vez ouvir um apresentador de um programa de entrevistas da madrugada dizer que o teatro alternativo não existe, pois teatro é teatro, sempre. Mas tenho cá pra mim que o teatro alternativo nada mais é do que a única alternativa que muitos artistas tem de mostrar para o que vieram, de trabalhar, pagar o aluguel, etc... Enfim, nem todos podem ter um camarim iluminado. O que os tornam excluídos, ou não? Então eu sugiro, que você simplesmente tire o rabo das poltronas aveludadas dos teatros de elite, e venha para o limbo, sentar nas cadeiras de madeira, colocadas de forma improvisada e dividir seu espaço com os ratos. E me diga se ali, debaixo daquelas vestes e daquela voz modificada, não está uma atriz, um ator à altura de Bibi Ferreira, Paulo Autran ou Cacilda Becker. Esse paralelo é apenas uma singela divagação minha, em relação ao teatro e seu sistema. Mas os excluídos desse espetáculo abrangem uma proporção muito maior, que transcende um tipo especifico de classe. Vai além dessas linhas. Uma sociedade que não sabe como cuidar de seus filhos. Será que a mãe pátria está cansada de parir seus filhos bastardos? Ou melhor, será que nós estamos cansados de amamentar os filhos dos outros. Enfim, tudo isso é simplesmente algo que o próprio espetáculo me fez refletir, e com certeza continuo. Mas aqui fica o meu convite para o espetáculo que tem sua última apresentação hoje, às 24:00 hs, no espaço dos Satyros II. “Ele não é meu filho” é texto do francês Philippe Gaulier, direção de Soledad Yunge e no elenco estão; Monika Plöger, Roberta Gonzalez e Vera Kowalska. Provavelmente retornará.

quinta-feira, 28 de agosto de 2008

"Cubos de gelo no asfalto"

Nesse mesmo dia um velho senhor de cabelos brancos sujos sentou-se ao meu lado, ele tinha um cheiro de podre, quase que insuportável, então, então ele começou a falar comigo, acho que era louco, sei lá. Ele falava comigo sem som, só movimentava os lábios, sem soltar um único som. E eu tentava imaginar o que aquele velho de cabelos brancos sujos me falava, então não resisti e quebrei o silêncio: - O que? – Eu perguntei. Ele não respondeu. Apenas continuou a movimentar os lábios. Depois de alguns minutos o velho parou, de movimentar os lábios. E eu comecei, comecei a movimentar os meus lábios, bem devagar, tipo, falar sem som mesmo. Ele ficou me olhando por um momento e em seguida soltou uma gargalhada, também sem som. E quando eu estava começando a me divertir com aquilo, ele de repente começou a falar, agora com som. Acho que milagre, pensei, mas para minha surpresa percebi que junto do som de sua voz, também voltei a escutar o som da praça, dos poucos pássaros que ali estavam, das crianças e dos pastores. Então eu me levantei do velho banco da praça, agora barulhenta, e sem me despedir do velho senhor comecei a andar. Só andar, sem destino. Mas aquele cheiro do maldito velho, me perseguia pelas ruas sujas do centro. Na verdade eu só gostaria que as coisas fossem um pouco diferentes. Na verdade tem muitas coisas que eu gostaria. (pausa) Gostaria por exemplo de um dia, sair andando por aí... Sabe, sem destino. Vender tudo que eu tenho e sair andando, sem me preocupar com nada, sem me preocupar com absolutamente nada. E depois de um bom tempo caminhando, eu olharia pra trás para me certificar de que estou bem longe. E ao meu redor só estarão coisas novas, cidades novas com suas ruas de terra, pessoas novas, crianças se molhando com mangueira, velhos com seus cachimbos revisando suas velhas histórias na cabeça, sentados em bancos de madeira à espera de um ouvido que as escute. E quando aquele pequeno lugar novo já não fosse tão novo, eu apenas continuaria a andar, mais uma vez, sem preocupações, e mais uma vez eu olharia pra traz, para novamente me certificar de que o novo velho lugar ficou pra traz. E depois de um longo tempo andando por aí, eu compraria um chapéu e só faria coisas impensadas e surpreendentes para mim mesmo, como...(pausa) ...como nadar em um lago ... assaltar um banco... E quando meus pés já estivessem machucados e cansados de andar, eu roubaria um carro e continuaria andando, sempre em alta velocidade, escutando Willie Nelson... Então em um dia qualquer, como em um filme, eu sofreria um pequeno acidente onde bateria com a cabeça, e este pequeno impacto me faria esquecer o meu nome e o meu passado. E quando me sentisse melhor pra dirigir novamente e o carro estivesse consertado, eu continuaria andando, só... só que agora sem ter a preocupação de me preocupar de estar longe do passado... (Pausa) É engraçado, mas nesse exato momento eu tenho vontade de simplesmente sair andando por aí, sem direção, sem destino e sem olhar para os lados, até eu ter certeza de que estou em um lugar onde jamais estive. Sem me importar com absolutamente nada. Sem me importar com o ônibus atrasado, com o trabalho e com aquela merda de jardim seco...Mas infelizmente eu me importo, eu me importo com essa bosta de ônibus, com essa porra de lugar escuro e com essa merda de som que você está ouvindo. Eu me importo! Eu me importo! (Ri convulsivamente). (Progressivamente começa aqui seu desespero) Eu me importo como me importei à vida inteira em fazer tudo exatamente igual para não correr o risco de errar. E juro que pensei que se não corresse tantos riscos ou nenhum, eu estaria seguro...Sempre me bastando na minha velha poltrona... Eu me sinto agora como um figurante em minha própria vida. Eu estou com medo... Eu estou com muito medo... Medo de pensar, medo de ter de ficar me arrastando pelo meu apartamento durante horas, sem que ninguém saiba... Medo de ficar ali por dias, ou talvez meses... apodrecendo... até que meu cheiro podre se espalhe por todos os cantos do prédio... Até que alguém se sinta incomodado com o cheiro de podre e vá reclamar ao síndico... Eu tenho medo de que o maldito cheiro daquele velho, na verdade seja meu... E que aquele jardim seco seja... Eu... Eu gostaria na verdade que em cada canto do mundo, existisse um mega alto-falante de alta freqüência para explodir todos os tímpanos, inclusive os meus, para enfim eu não ter mais de escutar o silêncio dessa barulhenta cidade. E então eu não teria mais que escutar coisas que eu não estou afim, nem as suas e nem as minhas lamentações... Eu não precisaria escutar praticamente nada... Pois com os meus tímpanos furados eu simplesmente não escutaria... Por que ninguém nunca está a fim de escutar... E então com os meus tímpanos furados e vazando eu não precisaria escutar coisas do tipo... A vida é assim mesmo... Vai ficar tudo bem, ou... Ou que você tem apenas algumas semanas de vida... Então você percebe que essas algumas semanas de vida, serão as únicas semanas que você realmente se sentiu vivo...

...É muito fácil vendo de fora... mas a gente complica tanto, tanto, tanto que vira VIDA...

Por Danilo Amaral

terça-feira, 26 de agosto de 2008